O futuro vai chegar cada vez mais rápido para nós, com um desenho que resolve um monte dos problemas e cria outros tantos. Normal.

O problema é que as empresas brasileiras tendem a ser atropeladas por esse futuro, porque vivem um estado de presentismo perpétuo, o que as deixa estacionadas no que tem de ser feito agora, para agora, em função do que se sabe agora, sem testar a viabilidade do negócio em relação a possíveis futuros, como manda qualquer teoria do negócio. A pandemia mudou muita coisa, mas não mudou isso. Talvez as tenha deixado ainda mais presas ao presente. Isso as afasta da estratégia, que é o que pode levá-las a lidar bem com o tempo e a chegar ao futuro. 

 1. A NOÇÃO DE TEMPO NÃO É TRIVIAL PARA NINGUÉM. Há debates filosóficos intensos e não resolvidos sobre o que é o tempo. Do ponto de vista do ordenamento dos eventos, há duas teorias básicas, que por total falta de imaginação foram denominadas A e B. Em A, eventos são ordenados no futuro, presente e passado e, claro, mudam de posição indo do futuro ao passado, pela via do presente. Em B, os eventos são ordenados pelas relações entre eles antes de, depois de e não se movem. Sem entrar em detalhes, o presentismo é parte das teorias do tipo A, enquanto o eternalismo é parte das teorias B. Tudo isso é muito mais complexo e difícil do que essa explicação, é claro, mas essa simplificação nos ajuda a pensar.

2. O PRESENTE É UMA MÁQUINA DE CONSUMIR POSSÍVEIS FUTUROS. Seja em termos de A ou de B, devemos pensar aqui no tempo pragmático – o tempo das pessoas e dos negócios. Então, imagine uma máquina chamada “presente”, que é alimentada pela matéria-prima de possíveis eventos, os quais podemos chamar de “futuro”. A capacidade do presente é finita, do ponto de vista de processamento de eventos que estão no futuro, o que significa que não há como o futuro acontecer como um todo, de repente. E o futuro tem um número quase certamente infinito de eventos (ou talvez aleph-ômega eventos), além do fato de que alguns deles não chegarão a ser consumidos pela máquina do presente e, portanto, não vão acontecer. É quando um possível evento do futuro é consumido pelo presente que ele se torna realidade – enquanto é consumido – e, imediatamente depois, ele se torna o passado.

3. AS ORGANIZAÇÕES ESTÃO CONTAMINADAS PELO PRESENTE. A vasta maioria dos negócios está permanentemente no modo de consumo de eventos que vêm do futuro, sobre os quais quase nunca fizeram escolhas nem sequer têm opinião. Sem terem influência sobre que eventos consomem e, em muitos casos, nem sobre como os consomem, essas empresas quase que funcionam num modo zumbi: operam, ainda, mas não estão nem mortas, nem vivas. Assim, vai chegar uma hora em que, de repente, não terão mais futuros para consumir. Ou, pior, não terão um presente  sua própria máquina – para consumir os futuros que ainda lhes são direcionados. Isso deve estar relacionado com os trimestres que passaram a ditar o tempo dos negócios, porém é algo ainda mais profundo, fundamental. Para explicar isso, o paralelo que encontro é com as pessoas que sofreram certos tipos de danos cerebrais por conta de algum acidente e não se lembram do passado (mesmo do passado muito recente). E, quando elas conseguem imaginar o futuro, não conseguem se imaginar nele.

4. A PRÁTICA DA TEORIA DE CADA NEGÓCIO É A SUA MÁQUINA DE CONSUMIR FUTUROS. A maioria das empresas, quando indagada, não sabe qual é a sua teoria do negócio, seus porquês. Quase todas sabem executar um conjunto de processos que, estudados, certamente darão origem a uma teoria daquelas práticas, mas raramente é feita uma reflexão sobre isso. Sabe-se fazer “x”, e “x” vende bem hoje; então, faz-se “x” até o mundo se acabar. O que complica essa equação é que as evidências do passado (lembrando que elas foram, um dia, futuros consumidos por máquina do então presente) dizem que a demanda por “x”, qualquer que seja esse “x”, acaba antes do mundo. E aí quem acaba, por não ter imaginado fazer um possível futuro “y”, é a empresa. E chegamos, talvez, ao principal problema: “y”, uma das próximas demandas do mercado, está no universo de possíveis futuros, e não necessariamente passará pela máquina do presente da organização, a menos que haja um acaso monumental. Isso só seria possível se essa organização escapar das garras do “presentismo”.

5. A PRESSA INCONSEQUENTE É A PRINCIPAL CAUSA DO PRESENTISMO – E TAMBÉM SUA PRINCIPAL CONSEQUÊNCIA. Aqui, uso presentismo no sentido de viver apenas no presente, do presente, sem consciência, entendimento, percepção e prospecção de possíveis futuros. Como diria o matuto, é viver “da mão pra boca”, como se não houvesse amanhã. Talvez não haja mesmo. Viver no/do presente cria uma pressa inconsequente e dela vem. É uma correria sem estratégia. A falta de estratégia é um dos principais problemas de quase todos os negócios. É por falta de estratégia ausência da capacidade de fazer escolhas sobre o futuro que as empresas, em sua maioria, têm apenas a pressa do presente e, quase sempre, nenhum futuro. A pressa inconsequente resulta de não se pensar – nem considerar, apropriadamente o futuro. E não pensar no futuro libera toda a energia do negócio para a pressa da execução, agora. (Falo em execução de quaisquer coisas.) Tomamos decisões sobre “como fazer as coisas” iludidos de que estamos tomando decisões sobre que coisas fazer. Essa é uma armadilha, normalmente fatal. Porque o suprimento de “x” é finito. Lembra-se do “x”?

6. QUEM TEM UMA TEORIA DO NEGÓCIO TEM TEM-PO PARA O FUTURO. A teoria do negócio explicita o problema que a empresa resolve, o contexto em que o problema é resolvido e as competências essenciais para tal. Essas três facetas da teoria devem estar combinadas  entre si e com a rede de stakeholders da empresa; elas devem ser conhecidas e entendidas por toda a organização e também devem ser testadas o tempo todo. É aí que entra a análise da capacidade de execução do presente e de prospecção do futuro. O presentismo trava as empresas no que tem de ser feito agora, para agora, em função do que se sabe agora; mas qualquer teoria para o negócio, bem aplicada na prática e testada o tempo todo, certamente testaria a viabilidade do negócio em relação aos possíveis futuros que a empresa há de prospectar.

Em outras palavras, uma boa teoria para qualquer negócio sempre inclui o futuro, e sua execução deve tomar providências práticas para que o futuro seja tratado como parte da execução do presente. Isso quer dizer que o presente tem que ser estendido para levar possíveis futuros em conta. Afinal, sem pensar o futuro, não há tempo para trazê-lo para o presente.

7. FUTUROS, NOS NEGÓCIOS, SÃO EXPERIMENTOS, E NÃO IMAGINAÇÃO. Ainda mais quando têm o potencial de mudar o negócio de alguma forma. Para isso, é preciso estender o presente a máquina de executar futuros que os transformará em passados criando instâncias do presente que não são parte do presentismo. Como assim? Leia o quinto item de novo. Essas tais instâncias são excursões do presente ao futuro, simulações e laboratórios que testam possíveis futuros, na forma de experimentos, sem incluí-los no presente do negócio. São prospecções e testes de hipóteses que poderão vir a fazer parte da teoria do negócio.

Observados como estratégias mínimas viáveis que não fazem parte da máquina do presente empresarial, esses futuros são executados em baixa resolução e escala, fora do modelo de negócio dominante, até serem validadas. Só aí, então, eles são escolhidos (pela estratégia) como futuros. Só aí, são atraídas pela máquina do presente e executadas no núcleo operacional da organização.

8. O TEMPO PARA O FUTURO QUE É CRIADO NO PRE-SENTE CRIA POTENCIAL DE INOVAÇÃO. Inovação é mudança de comportamento de agentes, no mercado, como fornecedores e consumidores de qualquer coisa. Sempre repito essa definição. Se o presente do negócio consome futuros “x”, produz passados “x”, e vive bem disso, quase sempre não há incentivo para inovar. Afinal, mudar para quê, se tudo está tão bem? Mas talvez não esteja tudo bem não, ao menos, quando não conseguimos identificar um estoque de futuros “x”, que equivalem a um mercado para presentes “x”. “Hello, Houston, we have a problem.”

Há um problema ainda maior se não temos como identificar se há ou não esse toque quando nosso presente não se estende para o futuro. Mas, se o estendermos e conseguirmos identificar a escassez de futuros “x”, quase certamente teremos como identificar a presença de futuros “w”, “h”, “y”. E, então, começaremos a transformar nosso presente para consumir essas novas oportunidades.

9. SEM ESTRATÉGIAS QUE INDIQUEM POR QUE O TEMPO TEM QUE SER CRIADO, ELE NÃO O SERÁ. O tempo é um dos recursos mais escassos das empresas justamente por culpa do presentismo. A máquina do presente pode se tornar tão estreita quanto menor for o tempo para executar as funções básicas do negócio e quase nenhuma dessas funções costuma estar relacionada com inovação.

A razão principal disso é que a miopia dos gestores não lhes permite ver que é a inovação que emite as notas fiscais do futuro. Quando a estratégia a capacidade de escolher futuros da empresa não leva em consideração nada além do seu presente, os futuros só acontecem por acaso.

É claro que nenhuma organização tem poderes suficientes para controlar os possíveis futuros a ponto de só passar pelos que escolhe ou desenha. Todas as estratégias são necessariamente incompletas no máximo, são paraconsistentes. Uma imensa parte dos futuros que se tornam presentes num negócio qualquer emergem inesperadamente, sem qualquer controle da organização ou mesmo sem ser parte da mais feroz imaginação de seus líderes.

Porém, há um elemento que não pode ser descartado em nenhuma estratégia: deve-se criar tempo, estendendo o presente, para prospectar e experimentar futuros. Deve-se criar também os porquês para tal, comunicados e entendidos por toda a empresa. Isso não é somente importante e relevante; isso normalmente é vital. Tanto que pode exigir mudar a teoria do negócio.

10. ESTENDER O TEMPO NO PRESENTE CRIA MAIS FUTUROS NO FUTURO. A máquina do presente dos negócios funciona, como sabemos, em seu espaço competitivo. E raramente está sozinha nele. Por isso, um dos diferenciais competitivos mais sustentáveis de qualquer empresa é a criação do que eu chamo de “espaço-tempo” no mercado, uma condição em que a empresa não é identificada como ameaça pela concorrência. Isso pode ser uma grande vantagem num mundo em que rivais respondem rápido.

Estender o presente cria espaço-tempo futuro ao aumentar a percepção do negócio sobre si mesmo, sobre a competição e sobre potenciais mudanças de contexto. E estender o presente também aumenta a “largura de banda” dos movimentos, tentativas e experimentos que a organização poderá realizar sem que o mercado se dê conta.

Tal espaço-tempo futuro será vital para os ensaios que a empresa realizará no processo de criação de soluções para sua sobrevivência às mudanças mudanças não só em seu mercado atual, mas nos mercados como um todo. E isso, em tempos de transição, em que todas as instituições têm que focar boa parte dos seus esforços a lidar com rupturas, não é pouco. É quase tudo, na verdade.

Conseguir enxergar e aprender a lidar com o espaço-tempo futuro é uma jornada, e foi demorada para mim. Comecei minha carreira muito focado em tecnologia e fui acrescentando camadas: inovação e empreendedorismo inovador na criação do Cesar, do Porto Digital, educação e, agora, estratégia, que está acima de tudo. Se você tiver uma estratégia, sua jornada pode ser muito abreviada.

Conteúdo originalmente publicado na Revista HSM Management Edição 144.